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LOURDES, O AMOR MONTESCLARENSE DE LULA



Mae Govannen!

“O senhor é o senhor Luiz?”, perguntou o médico. “Sou”, respondeu o rapaz. O senhor precisa ser forte para ouvir o que vou lhe dizer. “Seu filho nasceu morto”, continuou o doutor. “É preciso ser mais forte ainda, porque sua mulher também morreu”. Assim Luiz Inácio Lula da Silva recebeu a notícia da morte de Maria de Lourdes da Silva, sua primeira mulher. Era manhã de segunda-feira, 7 de junho de 1971. Lourdes, nascida na zona rural de Montes Claros, foi, como seu marido, retirante da mesma seca de 1952.

Unidos pelo destino, se conheceram em um bairro pobre de São Paulo, onde eram vizinhos. Em reportagem especial dos repórteres Paulo Narciso e Leo Drumond, o HOJE EM DIA refez esta parte da biografia do presidente, percorrendo, ao lado de sua primeira sogra, dona Hermínia, e do cunhado e amigo de juventude, Jacinto Ribeiro, o Lambari, a vila onde nasceu Lourdes, no Norte de Minas.

Lula, até hoje, está convencido de que as mortes de sua primeira mulher e do filho foram causadas por negligência. Em depoimentos a Denise Paraná, na biografia autorizada “Lula, o Filho do Brasil”, ele revela a revolta de sua convicção: “A Lourdes tinha ficado grávida e, no sétimo mês da gravidez, ela pegou hepatite. Ninguém me tira da cabeça que ela morreu por negligência da rede hospitalar do Brasil, por problemas de relaxamento médico. Porque ela estava com anemia profunda e uma hepatite crônica.

Ela poderia ter sido melhor tratada. Morreu sem que houvesse nenhuma assistência para ela. Eu fui ao hospital e vi. Ela gritava, ela gritava, ela gritava. Não tinha um médico para atender, não tinha ninguém. Sinceramente, eu tenho muitas restrições a esses médicos que estavam no hospital. Hoje, eu tenho consciência de quanto um desgraçado de um pobre passa nos hospitais”.

 

Fugitivos da mesma seca de 1952 nos sertões de Pernambuco e de Montes Claros, a 3 mil quilômetros de distância entre si, Lula com 7 anos, Lourdes com 3, os dois se encontraram em São Paulo já mocinhos, vizinhos de uma casa de parede-meia no bairro operário da Ponte Preta.

Abandonada pelo marido quando estava grávida de Lula, já nos dias de nascer, dona Lindu recebeu carta do segundo filho mais velho, Jaime, que a chamava para São Paulo, supostamente a pedido do marido. O penúltimo dos filhos e caçula dos homens, Lula, havia escapado de morrer aos 4 anos, quando uma jumenta o ergueu pela boca, numa mordida, e só o largou depois de receber uma punhalada no pescoço.

Sem recursos para sustentar os filhos, dona Lindu vendeu as terras secas por 13 mil cruzeiros, vendeu o relógio, vendeu o jumento, vendeu os santos e as fotografias de família, e tomou o “pau-de-arara” com 7 filhos, um irmão, cunhada e sobrinho. Deixou apenas o cachorro, que aos cuidados de um tio, parou de comer e morreu de saudade dos meninos. Enquanto esperava o caminhão “pau-de-arara”, que atrasou, ela colocou os filhos num quartinho na bodega do Tozinho, e fechou a porta, para que o cachorro “Lobo” não visse os meninos e os meninos não vissem o cachorro. Dona Lindu estava determinada: “Vamos embora, ou bem ou mal, para morrer de fome, nós morremos em São Paulo”.

A viagem até o marido e o segundo filho, em Santos, durou exatos 13 dias e 13 noites, de l0 a 23 de dezembro de l952. Lula – que nunca havia saído de Vargem Comprida - viajou com uma única camisa, que chegou podre a São Paulo. O percurso foi feito todo na terra; havia poucos ônibus e os raros postos de gasolina não dispunham de banheiros. O motorista do “pau-de-arara” era quem punha ordem na hora das “necessidades” e disciplinava no meio do mato: “homens para um lado, mulheres para o outro”.

Era l965. Lula foi com a família morar na Ponte Preta, na Vila São José, divisa de São Caetano e São Paulo. Ele estava com um dedo a menos na mão esquerda, estava desempregado e “tinha muita miséria em casa”. Mas, uma miséria significativamente menor. A família já possuía um fogão de duas bocas e muitos catres velhos. ”Eu e o meu irmão colocamos o fogão bem no alto e nós íamos com muito orgulho em cima do caminhão. Afinal de contas, a gente já tinha um fogão”.

O seu plano de vida estava definido: “tudo o que eu queria era o que todo mundo quer - ter uma vida tranqüila, ganhar meu salário. Queria casar e constituir minha família sem nenhuma ilusão”. Com 20 anos, nada sugeria o futuro líder de massas, bom orador, desinibido, convincente. Ao contrário, era tímido, trancado mesmo, pouco saliente, pouco “saído” - resumia sua mãe. Queria só ter casa, mulher e filhos Para isso, o destino havia feito sua parte.

Ao lado da casa, do outro lado da parede, morava Maria de Lourdes, com pai, mãe e três irmãos. Os retirantes de Montes Claros haviam dado a volta pelo mundo, no interior de São Paulo, e também acabavam de chegar, ali. Todos se tornaram amigos. Lambari, o melhor de todos – o amigo da juventude.

Mas, havia enchentes. A água do ribeirão teimoso vinha pela janela, misturada com água dos vasos sanitários, e acordava Lula quanto atingia o colchão. Resolveram mudar de novo e foram para o Jardim Patente. A família de Lourdes, com o mesmo problema, também se mudou.

Lá, os amigos, “amigos mesmos”, conhecidos de muitos anos, companheiros de festas, de bailes, de enchentes, de desemprego, de infortúnio, resolveram se namorar. Numa festa, Lula tomou três conhaques, criou coragem e fez a proposta. Lambari ajudou no consentimento, mas não ficou atrás. Passou a namorar a irmã de Lula mais nova, Tiana, ou Ruth, conforme lhe chamavam pelo nome de batismo ou pelo nome do registro civil.

Esta irmã tem a memória do clima: “Nossa adolescência foi uma fase gostosa. Ficamos conhecendo dona Hermínia, que virou sogra dele. Nós fizemos amizade, “uma amizade gostosa”. Lula nunca foi de namorar. A primeira namorada dele foi Lourdes. Tinha o Jacinto, que hoje a gente chama de Lambari, tinha o Toninho e o Zezinho. Tinha os bailinhos em casa de família, domingo à tarde. Tocava Ray Coniff, Carlos Alberto, Roberto Carlos. A gente bebia refrigerante”.

Lula era o rapazinho de bicicleta, que ficava na porta, mão na parede, num vai-e-vem eternos. Lourdes, com 17 anos, foi trabalhar na Tecelagem Damatex, de onde saiu para casar-se com o futuro presidente da República, cedendo a vaga para a prima Heloísa, sobrinha de dona Hermínia, que hoje mora em Montes Claros.

Lula recebia o seguro do dedo decepado e o ferimento chamou a atenção, e a dó, de Lourdes. Ele e Lambari saiam juntos para procurar o emprego que não havia em lugar nenhum. “Freio Chico” já era soldador e membro do “partidão”, e a simpática “Maria Baixinha”, enfermeira. Inventaram então os “bailinhos” de domingo, durante o dia, as excursões ao pico do Jaraguá, as sessões de cinema, as missas.

Lourdes, ainda só amiga, podia contar com Lula para toda festa, onde ela sempre queria demorar mais do que ele. Os japonesinhos ali sempre juntos, Olavo e Kiva, o primeiro virou padrinho de casamento e, o segundo, foi o que Lula teve de\superar na preferência de Lourdes.

Vieram as enchentes, repetidas. Com o dinheiro da casa de Bariri compraram um imóvel na mesma rua 4, enquanto o pessoal de Lula, cortido pelas águas, foi para a Vila São José, a 3 quarteirões, ‘depois do rio”. A casa própria não intimidava a enchente e foram para o Jardim Patente, sempre na mesma região do Ipiranga, na fronteira de São Bernardo.

Dois meses depois, a família de Lula chegava à Vila Patente, instalando-se numa quadra acima. De tanto procurar emprego, na crise de 1965, Lula chorava: “eu, as vezes, parava no caminho e chorava muito...porque você perde a perspectiva”. A sorte começava a virar. Cansados de receber o mesmo “não” juntos, Lambari propôs, Lula aceitou, e os dois passaram a procurar empregos separados. No primeiro dia, um voltou torneiro-mecânico da Volks e, o outro, torneio-mecânico da Villares.



Os amigos se aproximavam mais. Lula, empurrado por 3 conhaques, passou a namorar Lourdes. Lambari escolheu Ruth, a última dos irmãos de Lula, mas demorou pouco o namoro. Dona Lindu sabia que ele namorava outras (“eu era sem vergonha, mesmo”) e o escorraçou como namorado da filha. Ao chegar em casa às l0 horas da noite, conta Lambari, Lula estava no sofá, namorando a irmã: - “Ô, meu, sua mãe já correu comigo de lá. É bom você também pegar sua linha. “Taturana” respondia: - “Dá um tempo, fica na sua.” E ficava.

Mais uma vez, as duas famílias mudaram de endereço. Lula foi para a Paulicéia, em São Bernardo do Campo, e dona Hermínia mudou-se para a rua Verão, nº 10, C , na Vila das Mercês, onde está até hoje, na companhia de Lambari, que se descasou.

Lula namorava lá, lá assistiu Lambari construir sua habitação sobre a laje no terreno de 5 metros por 25 e, de “roupinha branca e namorada a tiracolo, jornal domingueiro na mão, gozava o cunhado, misturando a masseira: “viu o que acontece, Lambari ?..., você não quis estudar...”. Na rua Verão, foi testemunha da dificuldade dos sogros para pagar a segunda prestação da casa, quando o imóvel próprio da Ponte Preta foi vendido a um motorista de ônibus.

As enchentes desvalorizaram a casa. Toda pessoa que chegava para comprar, via a marca dágua na parede, media a altura dos filhos, via que ela dava no pescoço deles , e desistia.

Um motorista de ônibus comprou, pagou a primeira prestação e desistiu da segunda, porque nova enchente levou o paletó e os 800 cruzeiros que havia no bolso do paletó para pagar a prestação restante, deixando em dificuldade a família que também devia a Segunda prestação.

Da distante Paulicéia, em São Bernardo , Lula vinha namorar todas as noites. Na volta, cansando de esperar ônibus na via Anchieta desistia, retornava a pé e dormia na casa da sogra (“eu não ia pela estrada das Lágrimas, eu ia pela Marginal”). Lula achava cedo para casar, mas as circunstâncias amargas, segundo ele, o levaram a precipitar a escolha: - Eu vivia uma vida desgraçada, eu tinha de catar bituca de cigarro no chão para fumar. Eu nunca tinha dinheiro para comprar o cigarro que eu gostava, que era o Continental. Eu comprava Kent. Então, quando eu resolvi casar eu disse: “Olha, já que a gente esta nessa vida desgraçada, sustentando casa, então vamos casar de uma vez e a gente se vira”.

Casaram-se na Igreja Nossa Senhora das Mercês, em 24 de maio de l969. Dois dias antes, haviam se casado no civil, ele de terno muito bem cortado, todo empertigado. Na despedida de solteiro, na Paulicéia, Lula quis reter a noiva para a primeira noite, mas dona Hermínia não permitiu, irredutível, mandando esperar o dia da igreja. Conciliadora, dona Lindu decretou: a noiva dorme aqui, o noivo vai dormir com a sogra, na Vila das Mercês. Lula protestou em vão – “mas, eu já sou casado”.

O casal foi morar no Moinho Velho, de aluguel. Depois de l ano, estava no novo nas vizinhanças da família mineira, na rua torta que começava como Primavera, evoluía para Verão, descia para Outono e acabava como Inverno. Dona Hermínia morava na rua Verão e Lula, agora na casa própria, se instalou na rua Outono.


 A filha Lourdes ficou grávida e o casal – ele na Villares Equipamentos e ela tecelã da Datamex – construíram um quarto para a criança. A gravidez foi muito bem até o 8º mês. Tanto os médicos do emprego, quanto os particulares, diziam que tudo ia bem. Não ia.

O tom de gema de ovo no olho de Lourdes denunciava uma doença hepática não descoberta pelos médicos. Foi preciso que os parentes alertassem e Lula insistisse para que ela ficasse internada, numa quinta feira, no Hospital Modelo, em São Paulo. Para os médicos, as dores – queimação no estômago e vômitos prolongados - que faziam Lourdes gritar eram dores normais da gravidez.

Dona Hermínia conta que foi ao hospital, no sábado, acompanhada de Lula e de duas noras, levando frutas. A filha comeu uma pera, desta vez não vomitou, e todos voltaram para a casa, mais animados. No domingo, na visita coletiva das 14 horas, dona Hermínia estava de volta, com Lula. Os médicos, enfim, diagnosticaram a hepatite e a colocaram no isolamento, gemendo. Desesperada, a mãe perdeu-se no hospital e um médico a tranqüilizou – “está em trabalho de parto, é normal”. Lula passa mal e toma uma tranqüilizante, enquanto a sogra vai embora sozinha, desolada.

Na noite de domingo, Lula e Lambari, com esposa e cunhada, retornam ao hospital Modelo. O médico mandou esperar e depois autorizou que o irmão desse uma olhada na doente, que estava sedada e tinha tomado remédio para induzir a dilatação. Pela porta entreaberta, Lambari viu que Lourdes dormia.

O médico, enfático, disse aos cunhados: “Luiz, a criança está morta dentro da barriga, mas sua mulher não corre nenhum perigo. Ela está muito bem. Amanhã, traga a roupa da criança para o enterro”. Lambari se lembra que Lula aceitou o inevitável e pediu que lhe emprestasse dinheiro para o enterro do menino. Foram juntos comunicar a dona Hermínia que a filha não corria perigo. A mãe relutou, achou que estava sendo enganada, disse que a filha não escaparia e foram dormir.

Na segunda feira, 7 de junho de 1971, Lula, a mulher de Lambari e a cunhada Luzia foram para o Hospital. Lambari estava trabalhando na Volks, quando foi chamado pelo departamento social, que o mandava seguir para o hospital. Imaginou que era o dinheiro do sepultamento, passou no banco e foi. Encontrou-se com Lula, a cunhada e a esposa, na recepção, mas apenas os dois homens subiram para a porta da sala de parto.

As enfermeiras os viram chegar, e comentaram – “a família tá aí”. Esperaram muito. O médico saiu.

_ O senhor é o senhor Luiz?

_ Sou.

_ O senhor precisa ser forte para ouvir o que vou lhe dizer. Seu filho nasceu morto.

_ Eu já sabia. O médico me explicou, ontem.

_ O senhor precisa ser mais forte ainda, porque sua mulher também morreu.

Lula fez vômitos e encostou a cabeça na parede. Com a cabeça sempre na parede, ele girava o corpo contra a parede, girava... girava... girava...

(Na noite de domingo, soube-se depois, logo que Lula e Lambari saíram do hospital, Lourdes acordou, chamou pela mãe, chamou por Lula, e vomitou sangue. “A noite toda, ela vomitou pedaços do fígado”. Às 5h15m da manhã, os médicos retiraram a criança a ferros. Ás 7h15m, Lourdes morreu).

Lula e Lambari foram receber os corpos na pedra do necrotério. Estavam cobertos por lençóis brancos e identificados. No lençol maior, a etiqueta indicava – Maria de Lourdes Silva. O “meninão”, de quase 4 quilos, tinha uma fita colante escrita “nati-morto”.

Lula explodiu:

_ Esses “fdp” colocaram este nome. Não era nem este o nome que eu queria para o meu filho!

(O nome – soube-se também depois – seria Fábio Luiz, o nome que Lula repetiu no primogênito do segundo casamento).

Namarië!

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